09 setembro 2009

Curumim, o cachorro e seu rabo.

Desde que os sequenciadores e samplers  entraram no arsenal sonoro da música popular , a coisa mais frequente do mundo é ir a um show para assistir o cachorro correndo atrás do rabo.


O cachorro no caso é o show , o rabo o disco. Cansei de ver músicos de todas as procedências e orçamentos , se dedicarem a inglória tarefa de tentar reproduzir no palco o som do seu disco.

A utilização de elementos  musicais pré-programados é muitas vezes o único recurso disponível para se tentar que o show pareça com o disco. Mas a incorporação desses elementos externos quase sempre leva  a transformação da performance musical num playback de luxo. Toda possibilidade de espontaneidade, de improvisação, de interação da música com o clima da platéia , tudo o que devia fazer de cada show uma experiêcia única vai pro ralo.


Sem performance musical que interaja com o público , o que devia ser um concerto, vira uma sessão de culto a personalidade. Ninguém vai ao show do Black Eye Peas  por causa da performance musical deles , o povo vai ver eles , exatamente como o povo que frequentava os playbacks no Vasquinho de Morro Agudo ia ver os artistas que se apresentavam no programa do Chacrinha.


Semana passada fui ver o Curumim  e o Guizado no Circo Voador. Conheci os discos de ambos ,  cheios de eletrônica na Internet, e os achei promissores. Mas me preparei espiritualmente para mais uma sessão de insanidade canina.

 O trumpetista Guizado abriu  e fez um set basicamente instrumental. Ele tem uma abordagem musical bem original , com composições bem estruturadas ,ao invés da habitual jogação de nota fora que geralmente acompanha o rótulo instrumental. O show foi prejudicado por uma mixagem desastrada e pela amarração da ótima banda ( Lúcio da Nação Zumbi e  Régis do Cidadão Instigado nas guitarras,Marcelo Cabral no baixo e o próprio Curumim na bateria )  em bases rítimicas pré-programadas, que o Guizado disparava de um laptop. Gostei de conhecer mais o trabalho do Guizado, irei continuar acompanhando sua trajetória, mas no fim me deu uma sensação danada de uma oportunidade perdida. 


Quando Curumim começou seu show na bateria , com apenas um baixista e um percussionista , eu me preparei para o pior. Não havia como reproduzir as canções do disco só com aqueles três, sem se socorrer de uma pancada de samplers e sequencers. 

Cai do cavalo. O show é melhor que o disco. Porque ele abre espaço para improvisações e interação com a platéia, porque embora ele use programações à vontade , elas funcionavam de forma orgânica. 
 Sem a eletrônica emperrando,  pude apreciar o quanto a banda é boa, o quanto eles tocam bem, sem virtuosismos gratuitos. Pude apreciar o prazer deles de fazerem música juntos , coisa que gravação nenhuma jamais vai registrar


Isso tudo porque Curumim pensou num espetáculo de música, não na reprodução das canções do disco.   


Mais gente devia pensar assim. 




     

10 comentários:

Arthur Froes disse...

Gostei da abordagem do assunto. Mas fiquei curioso por conhecer o trabalho dos caras. Vou correr atrás disso.

Bruno disse...

Querido Beni, há ainda a opção de você roteirizar seu show, criar uma base programada de um show ao vivo que abra o espaço para as intervenções. É uma solução no meio do caminho que rende bons resultados. Para quem vê e conhece, não fica aquele ar de "igual ao disco", que diga-se de passagem, sempre me incomodou muito antes da existência destas bases pré gravadas. O que mais me agradou no show dos Paralamas do Sucesso no lançamento do Passo do Lui foi ver Herbert tocando o fraseado de marimbas de Óculos na sua guitarra. Muitos artistas tendem a tocar as músicas e se esquecer do espetáculo. Hoje, mais do que nunca, um precisa do outro. Belo texto.

Unknown disse...

Beni, acompanho os seus emails que falamo sobre musica com fibração e alegria! bom saber que continuamos operantes e pensantes! saudações musicais!Adriano

cris braun disse...

Interessante,Benucho , meu querido que vc esteja falando pensando - ouvindo-vendo isto . Chegando na reta do meio pra o fim do sico novo , começo a desenhar o show na minha cabeça . Como sei que sou uma moça de palco , desde já , p´re defini que em absoluto vou atrás da reprodução fiellll do disco . Existem duas coisas aí . Artista pobre grava mas tem que sair de voz e violão . Mas nem por isso tem que fazer zilhoes de discos de voz e violão pra poder cumprir uma agenda minima de shows . A outra é essa que vc colocou belamente . Pensar num espetáculo musical e não num Karaokê .Uma das vantagens da falência do sistema gravadora e etc..é a LIBERDADE . O artista tem que ter liberdade sempre , seja pra seguir o rabo ou o rabo seguir . Adorei esse texto , vou mostrar aos meninos da banda . bjs Cris Braun

Jorge Luiz disse...

Vi o show deles ano passado no "Festival Paneta Terra" em Sampa. Entre os brasileiros foi o mais bacana junto com o Vanguart... e foi melhor que várias "superproduções" internacionais: Offspring, Spoon, Animal Colective entre outros...
Bons no disco e bons de palco... sem firulas!

Roger disse...

Concordo inteiramente! Show é show e disco é disco. E mais, artista é artista, celebridade é celebridade...
Abraço!

Raul Mourão disse...

legal beni. belo texto. esse show eu perdi. abraco

Flávio Campos disse...

Grande retorno. Não pare. Lembre-se daquela frase ...

Anônimo disse...

Quanta sutileza na abordagem que vc fez acima,tem razão estamos mais agora para sentir de verdade a música em toda sua verdade e a época dos efeitos tecnológicos está passando, graças a Deus, abraços.

Gian Fabra disse...

nada contra a eletronica, mas me divirto quando essas maquinas dao pau e a banda fica sem saber o q fazer... sou da teoria de que a coisa tem q funcionar 'na mao', depois coloca-se a programaçao como um 'enfeite'.

já favoritei aqui
abs