26 setembro 2009

Rock X Rock = 0

Roqueiro é a tua mãe! 

Essa resposta esteve na ponta da minha língua  sempre que me chamaram por esse adjetivo infeliz. Nada mais justo. Afinal,  foi depois de ver o Art Blakey  & The Jazz Messengers na Sala Cecília Meireles que eu resolvi virar baterista. Mas ,como eu de fato tocava numa banda de rock,  minha indignação ficava  absurda diante da realidade.


Como qualquer adolescente dos anos 70 doido por música , eu ouvi muito rock. Furei vinis de Beatles, Cream ,Hendrix, Who, Zappa e Led Zeppelin ,era doido por Dylan,The Band e Neil Young ,amava Pink Floyd , Genesis e Jethro Tull.
Mas essas doses maçiças de rock se equilibravam na minha dieta musical com  porções generosas de Mingus, Wonder , Monk, Gaye, Miles e Weather Report. 
Claro que isso tudo além da onipresente música brasileira , Gil, Milton, Benjor, Caetano, Maia, Jobim, Da Vila e Da Viola e mais milhares de outros que fizeram a trilha sonora dos meus primeiros vinte anos.  Meu interesse por música me conduziu a apreciar os  mais disparatados gêneros musicais, da experimentação eletrônia  ao samba de raiz, do blues à musica sinfônica , qualquer barulho organizado sempre  me interessou.   


Descobri com alegria nos primeiros anos de atividade profissional, que isso não acontecia só comigo.
Muitos dos meus colegas ¨roqueiros¨ tinham interesses semelhantes e mais surpreendentemente alguns ¨sambistas¨ eram profundos conhecedores de heavy metal. Claro que havia os puristas , os que achavam que tudo que não fosse o gênero que eles faziam era uma porcaria, mas muito frequentemente eles não iam muito longe. Entre músicos o interesse por todas as formas de música é a regra, o purismo a exceção.  


Apesar de me emputecer quando queriam me restringir ao gênero, não posso negar que a minha atitude em relação a música foi determinantemente moldada pelo rock.



Rock é  música bastarda por definição. Apropriação indébita é a única regra estável desse gênero-polvo que abraça com seus tentáculos de Renato e seus Blue Caps ao Sepultura. Foi essa disposição para  a permanente eletrificação e esculhambação das mais diversas tradições musicais que me interessou, e foi ela que fez com que durante 50 anos a marca ¨rock¨ se mantivesse como a principal fonte de inovação da música popular. 

Mas parece que isso é definitivamente passado. 
Claro que existem hoje atuantes dezenas de bandas de rock tão boas quanto as dos anos 70. Mas os Radioheads e Wilcos da vida,  artistas que continuam empenhados na incorporação de novas formas ao formato guitarras/teclados /baixo/bateria , não definem mais o gênero.


¨Rock¨ para um adolescente brasileiro de hoje interessado por música é uma fórmula , um gênero que tem tanta vitalidade criativa quanto o bolero, a rumba ,ou qualquer daqueles outros nomes que aparecem nos ritmos pré-programados dos teclados baratos. 
Por isso as novidades interessantes da música brasileira recente se classificam como qualquer coisa menos rock. 

Não há razão para choro nem vela ,  na medida em que a antropofagia de estilos, a liberdade de usar qualquer tradição musical que lhe venha aos dedos permeia a  produção desses novos artistas. Ou seja a tal ¨atitude¨ rock  permanece , ainda que sob muitos outros nomes. 

Para artistas da minha geração,  do tal ¨BRock¨( como o Dapieve definiu) , isso pode parecer um sinal de irrelevância.  Mas na verdade eles já não precisam mais se filiar a nenhum gênero, sua história já é suficiente para defini-los. Um jovem que ouve hoje ¨Inútil¨ do Ultraje à Rigor pela primeira vez,  não pensa que está ouvindo um rock, para ele é apenas um clássico essencial da canção brasileira.  

 Em vista disso , se alguém me chamar de roqueiro hoje , eu inváriavelmente responderei : roqueiro é a  PQP.
  

     

18 setembro 2009

Criadores de Mundos

Alguém duvida que Maria Bethânia seja uma grande artista brasileira? 

A pergunta não se refere ao meu ,ou ao seu, gosto pessoal, isso é outra questão (grandes artistas necessariamente não agradam a todos), mas ao simples reconhecimento factual do papel de Bethânia na formação do nosso inconsciente coletivo nacional.  

Então ,não há duvida. Independentemente da nossa apreciação pessoal pelo trabalho dela, Maria Bethânia está inscrita na lista daqueles artistas que fazem a cabeça do Brasil. 

Bethânia chegou a essa condição de inquestionável relevância,sem compor uma única canção, sem, além do seu canto,nenhuma contribuição musical aparente ao seu trabalho. Como pode? 

Normalmente, nós associamos autoria à idéia de composição.
O compositor é o autor , o intérprete o veículo. Mas nessa altura do campeonato, passados mais de quarenta anos do aparecimento de Bethânia como intérprete, não dá pra questionar a autoridade dela sobre o próprio trabalho.Autoridade que vem da autoria. 
Mas se ela não compõe as canções , se ela não faz os arranjos, onde está a criação original de Maria Bethânia? 

Artista é alguém que inventa um pequeno mundo. Bethânia, na seleção das músicas que grava, na escolha dos músicos que trabalham com ela, nos textos que declama nos seus shows, revela ao público muito claramente uma visão do mundo altamente original e pessoal . Como Sinatra ou Piaf, ela criou seu planeta particular com música e palavras de outros. 

Hoje, muitos intérpretes acham que compor o seu próprio repertório é o único meio de ser reconhecido como um artista importante, merecedor da atenção e do dinheiro do público. 

Isso é um baita de um equívoco. 

Tem muita gente cantando por aí que seria um artista muito melhor ,se ao invés de compor, tentasse desenvolver um universo estético próprio com as composições de outros.

14 setembro 2009

Encontros humanos extraordinários

Ter encontros humanos extraordinários é uma das melhores coisas que a música proporciona.


Por conta da paixão dividida pela música , pude(posso)  me tornar amigo instantaneamente de pessoas das mais variadas histórias, etnias , línguas e aparências. Poucas coisas na vida me fazem mais feliz do que encontrar gente apaixonada por música.


Semana passada perdi um desses amigos. Conheci Ramiro Mussoto , nos corredores dos estúdios da vida. Estava produzindo um disco e precisava de um pandeiro. O engenheiro de som me sugeriu que pedisse ao percussionista que gravava no estúdio do lado , um cara alto e simpático com sotaque hispânico, com quem já tinha trocado algumas palavras.  Pedir um instrumento por empréstimo para um músico é na melhor das hipóteses como pedir uma escova de dente emprestada, na pior, como sugerir que o sujeito empreste a mulher.


A gravação não andava , o relógio corria  então ,totalmente constrangido, fui ao estúdio do lado como se fosse para o cadafalso, me sujeitar ao não inevitável.


Ramiro, não apenas me ofereceu uma variedade de pandeiros para escolher , mas me apresentou uma pequena sala que, entre mil instrumentos, continha a maior coleção de berimbaus do planeta.


Com esse gesto de excepcional generosidade, Ramiro ganhou a minha gratidão eterna e eu ganhei um interlocutor inteligente e articulado para falar do assunto que eu mais gosto. Seguiram-se dezenas de encontros em estúdios e camarins, uma eventual correspondência por email  e mais do que tudo uma indefinível comunhão espiritual, que faz com que pessoas que pouco se conhecem se tornem torcedores pelo sucesso do outro.


A música brasileira ficou mais pobre, sem o Ramiro aqui para apontar novas direções. Ele partiu , mas a música, sua  paixão, está aí para sempre.  


 


 
 

09 setembro 2009

Curumim, o cachorro e seu rabo.

Desde que os sequenciadores e samplers  entraram no arsenal sonoro da música popular , a coisa mais frequente do mundo é ir a um show para assistir o cachorro correndo atrás do rabo.


O cachorro no caso é o show , o rabo o disco. Cansei de ver músicos de todas as procedências e orçamentos , se dedicarem a inglória tarefa de tentar reproduzir no palco o som do seu disco.

A utilização de elementos  musicais pré-programados é muitas vezes o único recurso disponível para se tentar que o show pareça com o disco. Mas a incorporação desses elementos externos quase sempre leva  a transformação da performance musical num playback de luxo. Toda possibilidade de espontaneidade, de improvisação, de interação da música com o clima da platéia , tudo o que devia fazer de cada show uma experiêcia única vai pro ralo.


Sem performance musical que interaja com o público , o que devia ser um concerto, vira uma sessão de culto a personalidade. Ninguém vai ao show do Black Eye Peas  por causa da performance musical deles , o povo vai ver eles , exatamente como o povo que frequentava os playbacks no Vasquinho de Morro Agudo ia ver os artistas que se apresentavam no programa do Chacrinha.


Semana passada fui ver o Curumim  e o Guizado no Circo Voador. Conheci os discos de ambos ,  cheios de eletrônica na Internet, e os achei promissores. Mas me preparei espiritualmente para mais uma sessão de insanidade canina.

 O trumpetista Guizado abriu  e fez um set basicamente instrumental. Ele tem uma abordagem musical bem original , com composições bem estruturadas ,ao invés da habitual jogação de nota fora que geralmente acompanha o rótulo instrumental. O show foi prejudicado por uma mixagem desastrada e pela amarração da ótima banda ( Lúcio da Nação Zumbi e  Régis do Cidadão Instigado nas guitarras,Marcelo Cabral no baixo e o próprio Curumim na bateria )  em bases rítimicas pré-programadas, que o Guizado disparava de um laptop. Gostei de conhecer mais o trabalho do Guizado, irei continuar acompanhando sua trajetória, mas no fim me deu uma sensação danada de uma oportunidade perdida. 


Quando Curumim começou seu show na bateria , com apenas um baixista e um percussionista , eu me preparei para o pior. Não havia como reproduzir as canções do disco só com aqueles três, sem se socorrer de uma pancada de samplers e sequencers. 

Cai do cavalo. O show é melhor que o disco. Porque ele abre espaço para improvisações e interação com a platéia, porque embora ele use programações à vontade , elas funcionavam de forma orgânica. 
 Sem a eletrônica emperrando,  pude apreciar o quanto a banda é boa, o quanto eles tocam bem, sem virtuosismos gratuitos. Pude apreciar o prazer deles de fazerem música juntos , coisa que gravação nenhuma jamais vai registrar


Isso tudo porque Curumim pensou num espetáculo de música, não na reprodução das canções do disco.   


Mais gente devia pensar assim. 




     

03 setembro 2009

Luis Caldas é doido.


Claro que você lembra dele. Era ele que cantava o ¨Fricote¨. Aquela música ,aparentemente vinda do nada , que num só golpe estabeleceu a base do que viria a ser a axé-music.
Eu tive a oportunidade de passar uma hora vendo Luis Caldas trabalhar no estúdio e posso atestar : O cara é uma força da natureza.
Ele é fluente em diversos instrumentos e gêneros ,tem uma inteligência musical privilegiada, é brilhante e articulado.
Talvez por ser tudo isso ao mesmo tempo, ele também é um pouco doido.
Agora o genial Luis Caldas está lançando dez discos de uma vez. Discos dos mais diversos gêneros. Um de heavy metal , outro de hard rock , um de mpb, dois instrumentais e um todo cantado em tupi-guarani, entre outros.
O amigo que mandou a notícia desse giga-lançamento ensadecido, fez o favor de incluir o link para o myspace , lá pude ouvir que a minha impressão sobre o Luis Caldas não foi equivocada. Ele é doido , só um cara meio fora do normal poderia produzir dez discos de uma vez, mas é gênio.
E diante dessa genialidade enlouquecida eu fiquei pensando: É numa hora dessas que uma gravadora inteligente faz falta.
Porque se o Luiz Caldas parece um gênio perdido, chutando prá todo lado , a culpa é em grande parte de um negócio da música que não sabe lidar com talentos como ele.
Digo isso porque alguns anos antes de presenciar Luis Caldas em sua fúria criativa , pude testemunhar um outro personagem chamado Sebastião Rodrigues Maia gravando no estúdio. E me parece que se Tim tivesse aparecido na cena musical em meados dos anos 80 ,como Luis apareceu , sua carreira teria trajetória semelhante a do sumido Luis Caldas.
Trabalhar com gênios fora de controle como os Luis Caldas e Tim Maias da vida , já fez parte do dia-a-dia de produtores,empresários e executivos da música. Hoje , infelizmente , eles não tem quem os ajude a transformar a sua criatividade caudalosa em produtos consequentes.
Hoje prefere-se a mediocridade bem comportada. O artista que possui uma criatividade desenfrada é visto como um abacaxi , não como uma oportunidade.