16 dezembro 2005

Porque amo o meu MP3 (1) - O condicionante linguístico


O ano era 1985, a fita cassete se chamava "Viaggi Organizzati", o artista era Lucio Dalla. Meus pais me trouxeram de uma viagem à Itália, como costumavam trazer música de todos os muitos cantos do planeta para onde viajavam.

O disco era espetacular. Não espetacular por diferente, exótico e curioso, como eram tantos discos de tantos lugares que meus pais tinham me trazido. Era um disco exemplar de moderna música "pop", especialmente pelo uso desasombrado, inteligente e particular que a produção fazia das novas folias digitais que nos fascinavam naquela altura; sintetizadores , baterias eletrônicas e samplers. Essa estética moderna sem deslumbramentos servia a canções de melodias genialmente italianas e letras que revelavam novas qualidades a cada nova ida ao dicionário (a canção como senha para descobrir um novo idioma é uma dos grandes prazeres que ela nos oferece).

Descobri que Lucio Dalla já era meu conhecido sem eu saber. Era ele o autor do super-hit "Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones" versionado pelos Incríveis. Ainda no fim dos anos 80 , a música de abertura do "Viaggi Organizzati" - "Tutta la Vita" , viraria um novo hit para Dalla no Brasil numa tenebrosa versão entitulada "Tô -P- da vida" da banda-armação Dominó, que não tinha a mais remota semelhança de sentido com a canção original.

Lucio Dalla já era aquela altura "um grande" da música italiana, tinha lá a estatura que um Caetano ou um Chico Buarque tinham aqui. A Itália não é propriamente um país obscuro do terceiro mundo: Como então, me perguntava, um cara como eu que consome toda informação musical ao seu alcance, precisou da intervenção da providência divina, através de uma recomendação aos meus pais, para descobrir um artista desse calibre ?

A resposta era óbvia , nós vivíamos (vivemos) numa dieta musical imposta por corporações multinacionais anglo-americanas, sendo assim toda a música popular que não é cantada em inglês tem enorme dificuldade de achar um público para além da sua língua/ cultura/pátria de origem. Claro que essa afirmação simplista, com ares de teoria conspiratória, esconde muitas verdades históricas sobre a formação do mercado mundial da música , sobre os processos econômicos e os mercados internacionais. Mas eu estava precisando de um bode expiatório e as corporações multinacionais estão aí é para isso mesmo.

A descoberta mais importante era que havia um mundo de música pop interessante a ser explorado, que não iria chegar a mim pelos meios normais pelos quais eu costumava tomar conhecimento de música. Essa consciência sobre as limitações da dieta musical que me era ofertada pelos veículos de divulgação serviu mais para colecionar nomes do que para ouvir música. A maioria dos artistas a quem se fazia referência não tinha discos disponíveis nas lojas. Portanto , fora um ou outro que escapava milagrosamente ao cerco da anglofonia, meus ouvidos continuavam reféns dos vagares da indústria do disco e suas vilanescas corporações cada vez mais multinacionalmente monoglotas.

Tudo mudou com os Napsters/Kazaas/E-mules da vida. Numa virada de página do grande livro por escrever da Internet, toda a música popular do mundo estava à disposição dos meus dedos e ouvidos. As recomendações, referências e leituras do passado foram rapidamente transformando-se em música para ser ouvida. Essa infinitude de possibilidades leva inicialmente a uma certa estupefação, mas com o passar dos meses vão ser revelando artistas e discos que abrem janelas para novas culturas.

O espanhol Joaquin Sabina , o italiano Paolo Conte a banda francesa Mickey 3D , são artistas que enriqueceram recentemente o meu universo musical, graças a disponibilidade da sua música na Internet. Como eles outras tantos estão aí para ser descobertos.

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