22 setembro 2008

Como jogar dinheiro fora alegremente

Apesar de muita gente só enxergar "produto" , música é arte.

É isso mesmo - não se espante - música é arte, como literatura, artes plásticas, teatro e dança.

Antes de existirem discos, o negócio de vender música era muito parecido com o negócio de vender quadros,esculturas, livros e ingressos para espetáculos.

O aparecimento da indústria fonográfica mudou, ao longo do finado Século XX, a maneira como se fazia dinheiro com música , a maneira como o público se relacionava com música , mas não mudou a realidade essencial de que música é arte.

Hoje, quando o negócio de vender música gravada vai numa ladeira abaixo inevitável, nós "gente da musica" voltamos a ser apenas o que sempre fomos, produtores e vendedores de arte.
Durante os cinquenta anos onde objetos circulares de shellac, vinil ou plástico passaram a conduzir o processo de vender música , aconteceu uma inversão de valores no negócio da música que hoje vem cobrar seu preço.

Assisti durante a minha vida profissional , uma crescente invasão do negócio da música por profissionais com formação e mentalidade ligada a comercialização de produtos de consumo.

Marqueteiros,agentes, comerciantes e executivos de companhias de discos passaram a acreditar que vendiam um produto industrial de consumo, e que portanto deviam aplicar a venda de música a mesma lógica que se aplica a comercialização de pasta de dentes, salsichas ou papel higiênico.

Construiu-se a partir dessa premissa falsa um modelo de negócio doido, que ignora verdades básicas sobre a relação do consumidor com obras de arte. Hoje esse modelo dá claras demonstrações de incompetência no que deveria ser sua primeira obrigação - transformar arte em dinheiro.

Um exemplo prático da inépcia do atual modelo do negócio da música:

Essa semana o artista plástico inglês Damien Hirst vendeu num leilão na Sotheby´s a sua produção dos últimos três anos, faturou 127 milhões de dólares.

A Madonna fechou esse ano ,com grande alarde, um contrato de venda da sua produção (discos e espetáculos) com a Live Nation - 100 milhões de dólares por 10 anos de trabalho.

Ou seja, a Madonna vai precisar trabalhar dez anos para ganhar menos do que o Damien Hirst faturou em três.

Então todos os milhões que a Warner gastou ao longo de vinte anos para fazer a Madonna ser um nome reconhecido no planeta foram simplesmente dinheiro jogado fora? Afinal, quem conhece esse tal de Damien Hirst???

Só conhece Damien Hirst quem precisa conhecer. Quem gosta de arte contemporânea, quem tem interesse pelo seu trabalho.

Ahn? então? Marketing não interessa???

Claro que interessa. Marketing é fundamental. Mas marketing errado é a maneira mais eficiente de jogar dinheiro fora que existe.

Quando se aplica ao mercado das artes a lógica do marketing de produtos de consumo industrializados, joga-se dinheiro fora alegremente.

Produtos de consumo são coisas que voce PRECISA comprar. Arte é uma coisa que você compra porque DESEJA.

Todo mundo precisa comprar pasta de dente. Por isso faz sentido usar veículos de massa para alcançar o maior número de consumidores possível. Porque como sabemos, na hora de escolher a pasta de dente no supermercado , muito provávelmente voce vai escolher a que voce viu anunciada.

Com arte não é assim. Ninguém precisa comprar uma obra do Damien Hirst , acho até que a maioria das pessoas iria achar uma vaca partida ao meio de extremo mau-gosto, assim como eu não iria ao show da Madonna, nem se me buscassem em casa.

Ou seja , bombardear de anuncios quem não se interessa por uma determinada obra de arte, não resulta em nenhum centavo de faturamento.

Assim como há colecionadores que pagam milhões de dólares por vacas esquartejadas , há quem deixe de comer uma semana para ir ao show da Madonna. Encontrar essas pessoas é a missão do marketing de arte.

Cá estamos no fim da primeira década do século XXI, com milhares de canais de interação com o público, em plena era do "permission marketing" e vejo um cartaz (lindo por sinal) em todos os pontos de ônibus da cidade . anunciando o novo disco do meu amigo Frejat. Deve existir algum prazer que eu desconheço em jogar dinheiro fora.

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